A tua palavra é a
verdade: a saga dos Irmãos Morávios
Os
irmãos morávios e a igreja valdense são os únicos grupos protestantes atuais
cujas raízes mais remotas são anteriores à Reforma do século 16. Os valdenses
tiveram suas origens em um movimento reformista iniciado por volta de 1175 por
Valdès, um comerciante de Lião, no sul da França. Expulsos da Igreja Católica
em 1184, seus simpatizantes enfrentaram heroicamente séculos de perseguição, abraçando
eventualmente a Reforma Protestante. Refugiaram-se principalmente nos vales
alpinos do norte da Itália, na região conhecida como Piemonte, a sudoeste de
Turim. Os irmãos morávios, por sua vez, têm uma história ainda mais complexa,
mas não menos inspiradora, cujos primórdios remontam à Inglaterra do final do
século 14.
De João Wyclif a João Hus
John Wyclif (c.1325-1384) nasceu em Yorkshire, estudou na Universidade de
Oxford e abraçou o sacerdócio. Na década de 1360, adquiriu grande reputação em
Oxford e outros centros intelectuais como brilhante professor e escritor de
filosofia. Posteriormente, tornou-se conselheiro teológico do rei e prestou
serviços à coroa inglesa. Defendeu a teoria de que o poder civil tinha o
direito de se apoderar das propriedades do clero corrupto. Suas opiniões foram
condenadas pelo papa em 1377, mas ele teve o apoio de pessoas influentes e do
povo. Após o Grande Cisma (1378), com a existência simultânea de dois papas
rivais, suas idéias tornaram-se mais radicais e ele acabou por rejeitar toda a
estrutura tradicional da igreja medieval. Em uma série de tratados teológicos,
afirmou a autoridade suprema das Escrituras, definiu a igreja verdadeira como o
conjunto dos eleitos, e questionou o papado e a transubstanciação. Além disso,
incentivou a primeira tradução da Bíblia completa para a língua inglesa (1384).
Eventualmente, Wyclif perdeu o apoio da nobreza e de muitos simpatizantes, mas
viveu em paz os seus últimos anos, vindo a falecer em sua paróquia,
Lutterworth, no dia 28 de dezembro de 1384. Seus seguidores, conhecidos como
lolardos, foram duramente reprimidos nas décadas seguintes. Ensinavam que a
missão principal de um sacerdote era pregar as Escrituras e que a Bíblia dever
ser acessível a todos nas várias línguas vulgares. Essas idéias contribuiriam
para a ampla aceitação da Reforma Protestante pelos ingleses no século 16.
No século 14, a Boêmia (Tchecoslováquia) fazia parte do Sacro Império
Germânico. Politicamente, o país estava dividido por conflitos entre os tchecos
e a comunidade imigrante alemã, mais poderosa. Em 1382, a Boêmia, até então
pouco ligada à Inglaterra, aproximou-se deste país por meio do casamento de uma
princesa tcheca com o rei Ricardo II. Jovens tchecos passaram a estudar em
Oxford e conheceram as doutrinas de Wyclif, que logo levaram para a sua terra,
especialmente para a Universidade de Praga (fundada em 1348). Entre os
professores que abraçaram muitas idéias de Wyclif estava o ardoroso Jan Hus (c.
1373-1415).
Hus nasceu na vila de Husinec, estudou na Universidade de Praga e foi ordenado
sacerdote em 1400. Pouco antes da ordenação teve uma experiência de conversão
pelo estudo da Bíblia e se tornou um zeloso defensor de reformas eclesiásticas.
Além de lecionar na universidade, em 1402 foi nomeado pregador da Capela de
Belém, o centro do movimento reformista tcheco, alcançando enorme popularidade
por suas pregações. Como João Wyclif, ele ensinava que a igreja verdadeira
consiste somente dos eleitos, dos quais o cabeça é Cristo, e não o papa. Embora
defendesse a autoridade tradicional do clero, Hus afirmava que somente Deus
pode perdoar pecados. Acreditava que nem o papa nem os cardeais podiam
estabelecer como autêntica uma doutrina que fosse contrária à Escritura, e que
nenhum cristão devia obedecer às suas ordens quando estas se revelassem
abertamente erradas. Dizia que a igreja devia ter uma vida de simplicidade e
pobreza, à semelhança de Cristo. A única lei da igreja era a Bíblia,
especialmente o Novo Testamento, daí a grande importância da pregação. Condenou
a corrupção do clero, a adoração de imagens, os falsos milagres, as
peregrinações supersticiosas e a venda das indulgências, mas manteve a
transubstanciação.
A partir de 1410, as autoridades eclesiásticas e seculares começaram a tomar
medidas drásticas contra os wyclifitas. Apesar de ser altamente estimado pelo
povo, Hus foi excomungado e seguiu para o exílio no sul da Boêmia, onde
escreveu sua principal obra, De Ecclesia (Sobre a Igreja). Munido de um
salvo-conduto fornecido pelo imperador alemão Sigismundo, compareceu ao célebre
Concílio de Constança (1414-1418), no sul da Alemanha, a fim de justificar as
suas posições. Em 4 de maio de 1415, o concílio condenou formalmente João
Wyclif como herege e ordenou que o seu corpo fosse retirado da terra consagrada
(essa ordem só seria cumprida em 1428). Hus, considerado por todos um
wyclifita, recusou-se firmemente a abjurar as suas idéias. No dia 6 de julho de
1415 foi sentenciado e queimado na fogueira, enfrentando a morte com grande
coragem e dignidade.
A Unitas Fratrum e os Irmãos Morávios
A notícia da morte de Hus produziu grande revolta na Boêmia, que seria agravada
pela condenação do seu amigo e colega Jerônimo de Praga, também levado à
fogueira pelo Concílio de Constança, em 30 de maio de 1416. Outra fonte de
protestos foi a proibição, pelo mesmo concílio, da ministração do cálice da
Ceia aos leigos, prática que se tornara o símbolo do movimento hussita.
Surgiram duas facções no movimento: um partido moderado e aristocrático,
sediado em Praga, conhecido como utraquistas (referência à comunhão sub
utraque, isto é, “em ambas” as espécies) ou calixtinos (do latim calix =
cálice), e um partido radical, popular, os taboritas (de Tábor, a sua
fortaleza). Os primeiros rejeitaram somente as práticas que consideravam
proibidas pela “lei de Deus”, a Bíblia, ao passo que os taboritas repudiavam
todas as práticas não sancionadas expressamente pelas Escrituras.
Após um período de conflitos, as duas facções se uniram em 1420, adotando uma
agenda religiosa comum, “Os Quatro Artigos de Praga”, que exigiam a livre
pregação da Palavra de Deus, o cálice para os leigos, a pobreza apostólica e
uma vida de austeridade para clérigos e leigos. Durante alguns anos, eles se
envolveram em várias guerras vitoriosas contra os seus adversários. Uma
tentativa de acordo com a igreja católica produziu novas lutas internas, sendo
os taboritas derrotados pelos utraquistas em 1434, na batalha de Lipany.
Fracassado o acordo com o catolicismo, os utraquistas tornaram-se um grupo
religioso autônomo, cuja plena paridade com os católicos foi declarada pelo
Parlamento da Boêmia em 1485. Alguns anos antes, em 1457, havia surgido a
Unitas Fratrum (Unidade dos Irmãos Boêmios), reunindo elementos taboritas,
utraquistas e valdenses. Essa igreja absorveu o que havia de mais vital no
movimento hussita e tornou-se a precursora dos irmãos morávios.
Com o advento da Reforma, os “irmãos unidos” abraçaram o protestantismo. Nessa
época, eles contavam com cerca de 400 igrejas locais e 150 a 200 mil membros na
Boêmia e na vizinha Morávia. Expulsos de sua pátria durante a Guerra dos Trinta
Anos (1618-1648), espalharam-se por diversas regiões da Europa e perderam
muitos adeptos. Um ano especialmente amargo foi 1621, quando quinze irmãos
foram decapitados no “dia de sangue”, muitos crentes foram mandados para as
minas ou masmorras, igrejas foram fechadas, escolas destruídas, Bíblias,
hinários e catecismos foram queimados. Os poucos remanescentes continuaram a
realizar as suas funções religiosas em segredo e a orar pelo renascimento da
sua igreja. Um importante líder desse período aflitivo foi o notável educador
Jan Amos Comenius (1592-1672), eleito bispo dos irmãos morávios em 1632.
O conde Zinzendorf e Herrnhut
Em 1722, sobreviventes dos irmãos unidos que falavam alemão, residentes no
norte da Morávia, começaram a buscar refúgio na vizinha Saxônia, sob a
liderança de um carpinteiro, Christian David. O jovem conde Nikolaus Ludwig von
Zinzendorf (1700-1760) permitiu que eles fundassem uma vila em sua propriedade de
Berthelsdorf, cerca de 110 quilômetros a leste de Dresden. Zinzendorf era fruto
do pietismo, um influente movimento que havia surgido recentemente no
luteranismo alemão. Esse movimento teve como líderes iniciais Phillip Jacob
Spener (1635-1705) e August Hermann Francke (1663-1727), sendo seu principal
centro de atividade a cidade de Halle, também na Saxônia, a terra de Martinho
Lutero. Os pietistas davam grande ênfase à devoção, à experiência e aos
sentimentos, em contraste com a ortodoxia, credos e rituais. Também valorizavam
a conversão pessoal, o sacerdócio universal dos crentes, o estudo das
Escrituras, os pequenos grupos para comunhão e auxílio mútuo, e um cristianismo
prático voltado para educação, missões e beneficência.
Nascido em uma família aristocrática, Zinzendorf recebeu uma educação pietista
em Halle dos 10 aos 17 anos. Desde a infância revelou uma intensa devoção
pessoal a Cristo e mesmo depois de ingressar no serviço público, em 1721,
continuou a ter como interesse predominante o cultivo da “religião do coração”.
Foi então que entrou em contato com os morávios. A vila que estes fundaram em
sua propriedade recebeu o nome de Herrnhut (“a vigília do Senhor”). A
comunidade cresceu e logo se uniram a ela muitos pietistas alemães e outros
entusiastas religiosos. Inicialmente Zinzendorf lhes deu pouca atenção, mas em
1727 começou a assumir a liderança espiritual do grupo. Superadas algumas
divisões iniciais, no dia 13 de agosto de 1727 foi realizado um marcante culto
de comunhão que veio a ser considerado o renascimento da antiga Unitas Fratrum,
a Igreja Morávia renovada. A partir de então, Herrnhut tornou-se uma
disciplinada e fervorosa comunidade cristã, um corpo de soldados de Cristo
ansioso em promover a sua causa no país e no exterior.
Embora Zinzendorf desejasse que os morávios permanecessem como membros da
igreja estatal da Saxônia (luterana), gradualmente eles formaram uma igreja
separada. Em 1745 a Igreja Morávia já estava plenamente organizada com seus
bispos, presbíteros e diáconos, embora seu governo fosse, e ainda seja, mais
presbiteriano que episcopal. A essa altura o moravianismo estava criando uma
liturgia de grande beleza e uma rica tradição hinológica. A Igreja Morávia
restaurada permaneceu pequena, mas sua influência se fez sentir em toda a
Europa. Seus primeiros bispos foram David Nitschmann (1735) e o próprio
Zinzendorf (1737), que, após uma vida de intensa atividade missionária e
pastoral na Europa e na América do Norte, faleceu em Herrnhut em 1760. Certa
vez havia declarado, referindo-se a Cristo: “Eu tenho uma paixão; é ele e ele
somente”.
Até aos confins da terra
Com o seu zelo por Cristo, os morávios escreveram uma das páginas mais nobres
das missões cristãs em todos os tempos. Nenhum grupo protestante teve maior
consciência do dever missionário e nenhum demonstrou tamanha consagração a esse
serviço em proporção ao número de seus membros. Numa viagem a Copenhague para
assistir à coroação do rei dinamarquês Cristiano VI, Zinzendorf conheceu alguns
nativos das Índias Ocidentais e da Groenlândia. Regressou a Herrnhut cheio de
fervor missionário e, em conseqüência disso, Leonhard Dober e David Nitschmann
iniciaram uma missão aos escravos africanos em St. Thomas, nas Ilhas Virgens,
em 1732, e Christian David e outros seguiram para a Groenlândia no ano
seguinte.
Em 1734, um grupo liderado por August Gottlieb Spangenberg (1704-1792) começou
a trabalhar na Geórgia. No Natal de 1741, o próprio Zinzendorf visitou a
América e deu o nome de Bethlehem (Belém) à colônia que os morávios da Geórgia
estavam criando na Pensilvânia. Essa cidade se tornaria a sede americana do
movimento. O mais famoso missionário morávio aos índios norte-americanos foi
David Zeisberger (1721-1808), que trabalhou entre os creeks da Geórgia a partir
de 1740 e entre os iroqueses desde 1743 até a sua morte.
Herrnhut tornou-se um centro de atividade missionária, iniciando missões no
Suriname, Costa do Ouro, África do Sul, Argélia, Guiana, Jamaica, Antigua e
outros locais. Em 1748, foi iniciada uma missão aos judeus em Amsterdã. Até
1760, o ano da morte de Zinzendorf, os morávios haviam enviado 226 missionários
a dez países e cerca de 3 mil conversos haviam sido batizados. Outros locais
alcançados posteriormente foram Egito, Labrador, Espanha, Ceilão, Romênia e
Constantinopla. Em 1832, havia 42 estações missionárias morávias ao redor do
mundo. Os nomes dos primeiros campos missionários mostram uma característica do
trabalho morávio: eram em geral locais difíceis e inóspitos, exigindo uma
paciência e dedicação toda especial, traço que até hoje caracteriza o trabalho
missionário desse grupo.
Com seu heroísmo, apego às Escrituras e consagração a Deus, os irmãos morávios,
embora pouco numerosos, exerceram uma forte influência espiritual sobre outros
grupos e movimentos protestantes, especialmente na Inglaterra. A convivência
com alguns morávios causou profundo impacto em João Wesley e contribuiu para a
sua conversão e o surgimento do metodismo. William Carey, o pioneiro das
missões batistas, os admirava grandemente e apelou para o seu exemplo de
obediência. Eles também inspiraram a criação de duas das primeiras agências
protestantes de missões — a Sociedade Missionária de Londres (1795) e a
Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (1804). Assim completou-se um ciclo extraordinário:
a obra do pré-reformador inglês João Wyclif contribuiu para o surgimento dos
morávios e, séculos depois, estes foram uma bênção para a Inglaterra e, por
meio dela, para muitos outros povos.
Notas Ultimato Cita: Alderi Souza de Matos é
doutor em história da igreja pela Universidade de Boston e historiador oficial
da Igreja Presbiteriana do Brasil.
De João Wyclif a João Hus
John Wyclif (c.1325-1384) nasceu em Yorkshire, estudou na Universidade de Oxford e abraçou o sacerdócio. Na década de 1360, adquiriu grande reputação em Oxford e outros centros intelectuais como brilhante professor e escritor de filosofia. Posteriormente, tornou-se conselheiro teológico do rei e prestou serviços à coroa inglesa. Defendeu a teoria de que o poder civil tinha o direito de se apoderar das propriedades do clero corrupto. Suas opiniões foram condenadas pelo papa em 1377, mas ele teve o apoio de pessoas influentes e do povo. Após o Grande Cisma (1378), com a existência simultânea de dois papas rivais, suas idéias tornaram-se mais radicais e ele acabou por rejeitar toda a estrutura tradicional da igreja medieval. Em uma série de tratados teológicos, afirmou a autoridade suprema das Escrituras, definiu a igreja verdadeira como o conjunto dos eleitos, e questionou o papado e a transubstanciação. Além disso, incentivou a primeira tradução da Bíblia completa para a língua inglesa (1384).
Eventualmente, Wyclif perdeu o apoio da nobreza e de muitos simpatizantes, mas viveu em paz os seus últimos anos, vindo a falecer em sua paróquia, Lutterworth, no dia 28 de dezembro de 1384. Seus seguidores, conhecidos como lolardos, foram duramente reprimidos nas décadas seguintes. Ensinavam que a missão principal de um sacerdote era pregar as Escrituras e que a Bíblia dever ser acessível a todos nas várias línguas vulgares. Essas idéias contribuiriam para a ampla aceitação da Reforma Protestante pelos ingleses no século 16.
No século 14, a Boêmia (Tchecoslováquia) fazia parte do Sacro Império Germânico. Politicamente, o país estava dividido por conflitos entre os tchecos e a comunidade imigrante alemã, mais poderosa. Em 1382, a Boêmia, até então pouco ligada à Inglaterra, aproximou-se deste país por meio do casamento de uma princesa tcheca com o rei Ricardo II. Jovens tchecos passaram a estudar em Oxford e conheceram as doutrinas de Wyclif, que logo levaram para a sua terra, especialmente para a Universidade de Praga (fundada em 1348). Entre os professores que abraçaram muitas idéias de Wyclif estava o ardoroso Jan Hus (c. 1373-1415).
Hus nasceu na vila de Husinec, estudou na Universidade de Praga e foi ordenado sacerdote em 1400. Pouco antes da ordenação teve uma experiência de conversão pelo estudo da Bíblia e se tornou um zeloso defensor de reformas eclesiásticas. Além de lecionar na universidade, em 1402 foi nomeado pregador da Capela de Belém, o centro do movimento reformista tcheco, alcançando enorme popularidade por suas pregações. Como João Wyclif, ele ensinava que a igreja verdadeira consiste somente dos eleitos, dos quais o cabeça é Cristo, e não o papa. Embora defendesse a autoridade tradicional do clero, Hus afirmava que somente Deus pode perdoar pecados. Acreditava que nem o papa nem os cardeais podiam estabelecer como autêntica uma doutrina que fosse contrária à Escritura, e que nenhum cristão devia obedecer às suas ordens quando estas se revelassem abertamente erradas. Dizia que a igreja devia ter uma vida de simplicidade e pobreza, à semelhança de Cristo. A única lei da igreja era a Bíblia, especialmente o Novo Testamento, daí a grande importância da pregação. Condenou a corrupção do clero, a adoração de imagens, os falsos milagres, as peregrinações supersticiosas e a venda das indulgências, mas manteve a transubstanciação.
A partir de 1410, as autoridades eclesiásticas e seculares começaram a tomar medidas drásticas contra os wyclifitas. Apesar de ser altamente estimado pelo povo, Hus foi excomungado e seguiu para o exílio no sul da Boêmia, onde escreveu sua principal obra, De Ecclesia (Sobre a Igreja). Munido de um salvo-conduto fornecido pelo imperador alemão Sigismundo, compareceu ao célebre Concílio de Constança (1414-1418), no sul da Alemanha, a fim de justificar as suas posições. Em 4 de maio de 1415, o concílio condenou formalmente João Wyclif como herege e ordenou que o seu corpo fosse retirado da terra consagrada (essa ordem só seria cumprida em 1428). Hus, considerado por todos um wyclifita, recusou-se firmemente a abjurar as suas idéias. No dia 6 de julho de 1415 foi sentenciado e queimado na fogueira, enfrentando a morte com grande coragem e dignidade.
A Unitas Fratrum e os Irmãos Morávios
A notícia da morte de Hus produziu grande revolta na Boêmia, que seria agravada pela condenação do seu amigo e colega Jerônimo de Praga, também levado à fogueira pelo Concílio de Constança, em 30 de maio de 1416. Outra fonte de protestos foi a proibição, pelo mesmo concílio, da ministração do cálice da Ceia aos leigos, prática que se tornara o símbolo do movimento hussita. Surgiram duas facções no movimento: um partido moderado e aristocrático, sediado em Praga, conhecido como utraquistas (referência à comunhão sub utraque, isto é, “em ambas” as espécies) ou calixtinos (do latim calix = cálice), e um partido radical, popular, os taboritas (de Tábor, a sua fortaleza). Os primeiros rejeitaram somente as práticas que consideravam proibidas pela “lei de Deus”, a Bíblia, ao passo que os taboritas repudiavam todas as práticas não sancionadas expressamente pelas Escrituras.
Após um período de conflitos, as duas facções se uniram em 1420, adotando uma agenda religiosa comum, “Os Quatro Artigos de Praga”, que exigiam a livre pregação da Palavra de Deus, o cálice para os leigos, a pobreza apostólica e uma vida de austeridade para clérigos e leigos. Durante alguns anos, eles se envolveram em várias guerras vitoriosas contra os seus adversários. Uma tentativa de acordo com a igreja católica produziu novas lutas internas, sendo os taboritas derrotados pelos utraquistas em 1434, na batalha de Lipany. Fracassado o acordo com o catolicismo, os utraquistas tornaram-se um grupo religioso autônomo, cuja plena paridade com os católicos foi declarada pelo Parlamento da Boêmia em 1485. Alguns anos antes, em 1457, havia surgido a Unitas Fratrum (Unidade dos Irmãos Boêmios), reunindo elementos taboritas, utraquistas e valdenses. Essa igreja absorveu o que havia de mais vital no movimento hussita e tornou-se a precursora dos irmãos morávios.
Com o advento da Reforma, os “irmãos unidos” abraçaram o protestantismo. Nessa época, eles contavam com cerca de 400 igrejas locais e 150 a 200 mil membros na Boêmia e na vizinha Morávia. Expulsos de sua pátria durante a Guerra dos Trinta Anos (1618-1648), espalharam-se por diversas regiões da Europa e perderam muitos adeptos. Um ano especialmente amargo foi 1621, quando quinze irmãos foram decapitados no “dia de sangue”, muitos crentes foram mandados para as minas ou masmorras, igrejas foram fechadas, escolas destruídas, Bíblias, hinários e catecismos foram queimados. Os poucos remanescentes continuaram a realizar as suas funções religiosas em segredo e a orar pelo renascimento da sua igreja. Um importante líder desse período aflitivo foi o notável educador Jan Amos Comenius (1592-1672), eleito bispo dos irmãos morávios em 1632.
O conde Zinzendorf e Herrnhut
Em 1722, sobreviventes dos irmãos unidos que falavam alemão, residentes no norte da Morávia, começaram a buscar refúgio na vizinha Saxônia, sob a liderança de um carpinteiro, Christian David. O jovem conde Nikolaus Ludwig von Zinzendorf (1700-1760) permitiu que eles fundassem uma vila em sua propriedade de Berthelsdorf, cerca de 110 quilômetros a leste de Dresden. Zinzendorf era fruto do pietismo, um influente movimento que havia surgido recentemente no luteranismo alemão. Esse movimento teve como líderes iniciais Phillip Jacob Spener (1635-1705) e August Hermann Francke (1663-1727), sendo seu principal centro de atividade a cidade de Halle, também na Saxônia, a terra de Martinho Lutero. Os pietistas davam grande ênfase à devoção, à experiência e aos sentimentos, em contraste com a ortodoxia, credos e rituais. Também valorizavam a conversão pessoal, o sacerdócio universal dos crentes, o estudo das Escrituras, os pequenos grupos para comunhão e auxílio mútuo, e um cristianismo prático voltado para educação, missões e beneficência.
Nascido em uma família aristocrática, Zinzendorf recebeu uma educação pietista em Halle dos 10 aos 17 anos. Desde a infância revelou uma intensa devoção pessoal a Cristo e mesmo depois de ingressar no serviço público, em 1721, continuou a ter como interesse predominante o cultivo da “religião do coração”. Foi então que entrou em contato com os morávios. A vila que estes fundaram em sua propriedade recebeu o nome de Herrnhut (“a vigília do Senhor”). A comunidade cresceu e logo se uniram a ela muitos pietistas alemães e outros entusiastas religiosos. Inicialmente Zinzendorf lhes deu pouca atenção, mas em 1727 começou a assumir a liderança espiritual do grupo. Superadas algumas divisões iniciais, no dia 13 de agosto de 1727 foi realizado um marcante culto de comunhão que veio a ser considerado o renascimento da antiga Unitas Fratrum, a Igreja Morávia renovada. A partir de então, Herrnhut tornou-se uma disciplinada e fervorosa comunidade cristã, um corpo de soldados de Cristo ansioso em promover a sua causa no país e no exterior.
Embora Zinzendorf desejasse que os morávios permanecessem como membros da igreja estatal da Saxônia (luterana), gradualmente eles formaram uma igreja separada. Em 1745 a Igreja Morávia já estava plenamente organizada com seus bispos, presbíteros e diáconos, embora seu governo fosse, e ainda seja, mais presbiteriano que episcopal. A essa altura o moravianismo estava criando uma liturgia de grande beleza e uma rica tradição hinológica. A Igreja Morávia restaurada permaneceu pequena, mas sua influência se fez sentir em toda a Europa. Seus primeiros bispos foram David Nitschmann (1735) e o próprio Zinzendorf (1737), que, após uma vida de intensa atividade missionária e pastoral na Europa e na América do Norte, faleceu em Herrnhut em 1760. Certa vez havia declarado, referindo-se a Cristo: “Eu tenho uma paixão; é ele e ele somente”.
Até aos confins da terra
Com o seu zelo por Cristo, os morávios escreveram uma das páginas mais nobres das missões cristãs em todos os tempos. Nenhum grupo protestante teve maior consciência do dever missionário e nenhum demonstrou tamanha consagração a esse serviço em proporção ao número de seus membros. Numa viagem a Copenhague para assistir à coroação do rei dinamarquês Cristiano VI, Zinzendorf conheceu alguns nativos das Índias Ocidentais e da Groenlândia. Regressou a Herrnhut cheio de fervor missionário e, em conseqüência disso, Leonhard Dober e David Nitschmann iniciaram uma missão aos escravos africanos em St. Thomas, nas Ilhas Virgens, em 1732, e Christian David e outros seguiram para a Groenlândia no ano seguinte.
Em 1734, um grupo liderado por August Gottlieb Spangenberg (1704-1792) começou a trabalhar na Geórgia. No Natal de 1741, o próprio Zinzendorf visitou a América e deu o nome de Bethlehem (Belém) à colônia que os morávios da Geórgia estavam criando na Pensilvânia. Essa cidade se tornaria a sede americana do movimento. O mais famoso missionário morávio aos índios norte-americanos foi David Zeisberger (1721-1808), que trabalhou entre os creeks da Geórgia a partir de 1740 e entre os iroqueses desde 1743 até a sua morte.
Herrnhut tornou-se um centro de atividade missionária, iniciando missões no Suriname, Costa do Ouro, África do Sul, Argélia, Guiana, Jamaica, Antigua e outros locais. Em 1748, foi iniciada uma missão aos judeus em Amsterdã. Até 1760, o ano da morte de Zinzendorf, os morávios haviam enviado 226 missionários a dez países e cerca de 3 mil conversos haviam sido batizados. Outros locais alcançados posteriormente foram Egito, Labrador, Espanha, Ceilão, Romênia e Constantinopla. Em 1832, havia 42 estações missionárias morávias ao redor do mundo. Os nomes dos primeiros campos missionários mostram uma característica do trabalho morávio: eram em geral locais difíceis e inóspitos, exigindo uma paciência e dedicação toda especial, traço que até hoje caracteriza o trabalho missionário desse grupo.
Com seu heroísmo, apego às Escrituras e consagração a Deus, os irmãos morávios, embora pouco numerosos, exerceram uma forte influência espiritual sobre outros grupos e movimentos protestantes, especialmente na Inglaterra. A convivência com alguns morávios causou profundo impacto em João Wesley e contribuiu para a sua conversão e o surgimento do metodismo. William Carey, o pioneiro das missões batistas, os admirava grandemente e apelou para o seu exemplo de obediência. Eles também inspiraram a criação de duas das primeiras agências protestantes de missões — a Sociedade Missionária de Londres (1795) e a Sociedade Bíblica Britânica e Estrangeira (1804). Assim completou-se um ciclo extraordinário: a obra do pré-reformador inglês João Wyclif contribuiu para o surgimento dos morávios e, séculos depois, estes foram uma bênção para a Inglaterra e, por meio dela, para muitos outros povos.
CONVERSÃO DE JOHN WESLEY
Jhon Walker
Em 1736, um grupo de morávios estava viajando num navio com destino à América. Dois jovens ingleses, missionários anglicanos, estavam no mesmo navio. Sobreveio sobre eles um terrível temporal e era iminente um naufrágio. Leiamos o que um dos jovens, John Wesley escreveu no seu diário a respeito desse acontecimento:
Às sete
horas fui procurar os morávios. Eu havia observado há muito a profunda
seriedade do seu comportamento. Davam provas incessantes da sua verdadeira
humildade em fazer aquelas tarefas servis para os demais passageiros que nenhum
de nós suportaria; eles procuravam nos servir dessa forma e rejeitavam qualquer
remuneração, dizendo que era bom para os seus corações orgulhosos e que o seu
querido Salvador havia feito muito mais que isso por eles.
Cada
dia que passava lhes dava oportunidade de demonstrar uma meiguice que nenhuma
injúria poderia desafiar. Se alguém os empurrasse, batesse ou jogasse no chão,
eles se levantavam e saíam; mas nunca se ouviu qualquer queixa ou resposta nas
suas bocas. Agora se apresentaria uma oportunidade de ver se eles eram isentos
do espírito de medo da mesma forma que o eram do espírito de orgulho, ira e
vingança.
No meio
do salmo com que iniciaram a sua reunião, o mar se ergueu, despedaçou a vela
mestra, inundou o navio e as águas vieram jorrando sobre o convés como se um
grande abismo estivesse nos engolindo. Irromperam-se terríveis gritos e uivos
entre nós. Os morávios, porém continuavam a cantar tranqüilamente.
Perguntei
para um deles depois: "Você não estava com medo? Ele respondeu: “Graças a
Deus, não.” Perguntei ainda: "Mas não estavam amedrontadas as mulheres e
crianças?" Ele respondeu brandamente: "Não, nossas mulheres e
crianças não têm medo da morte."
Quando
ele voltou à Inglaterra, escreveu:
Eu fui
à América para converter os índios; mas quem há de me converter? Quem é que me
libertará deste coração mau de incredulidade? Tenho uma religião "de tempo
bom". Sei falar bem; sim, e tenho confiança em mim mesmo quando não há
perigo ao meu lado; mas venha a morte me enfrentar e meu espírito já se
perturba. Nem posso dizer: "O morrer é lucro!"
Em
Londres, Wesley procurou o conselho de um missionário morávio, Peter Bohler, e
logo após, converteu-se. Em menos de três semanas, ele estava viajando para a
Alemanha para conhecer o Conde Zinzendorf e passar um período de tempo em
Herrnhut.
A VIDA
DO CONDE ZINZENDORF
O Conde Zinzendorf, preparado tão maravilhosamente por Deus para treinar e guiar a jovem igreja no caminho missionário, era marcado acima de tudo por um tenro, simples e apaixonado amor para o nosso Senhor Jesus. Convertido com a idade de quatro anos, ele escreveu naquela época: " Querido Salvador, sê meu e eu serei Teu". Ele escolheu como o lema da sua vida:"Tenho apenas uma paixão. É Jesus, Jesus somente".
O amor
expirante do Cordeiro de Deus havia conquistado e enchido o seu coração; o amor
que levou Jesus a morrer pelos pecadores havia entrado na sua vida. Ele não
tinha outro alvo a não ser viver e, se preciso, morrer também por esses
pecadores.
Quando
ele se encarregou de cuidar dos morávios, aquele amor foi o único motivo ao
qual ele recorria, o único poder no qual ele confiava, o único alvo para o qual
ele procurava conquistar as suas vidas. 0 que o ensinamento, argumentos e
disciplina nunca alcançariam, necessários e produtivos como fossem, o amor de
Cristo realizou! Fundiu todos em um só Corpo; implantou em todos o desejo de
abandonar tudo que fosse pecado Inspirou a todos com o anseio de testificar de
Jesus. Dispôs muitos a sacrificar tudo -- a fim de tornar aquele amor conhecido
a outros, alegrando dessa forma o coração de Jesus.
O Conde
Zinzendorf aprendera cedo o segredo da oração eficaz. Ele foi tão diligente em
estabelecer círculos de oração que quando deixou o colégio de Halle, aos
dezesseis anos de idade, entregou ao professor Francke uma lista de sete grupos
de oração.
CARACTERÍSTICAS
DOS MORÁVIOS
E os seguidores que Deus havia dado a Zinzendorf ? O que havia neles que os capacitava a tomarem a liderança das igrejas da Reforma ? Em primeiro lugar, havia aquele desprendimento e desligamento do mundo e das suas esperanças, o poder de perseverança e resistência, a confiança simples em Deus que a aflição e perseguição são destinadas a produzir. Esses homens eram literalmente estrangeiros e peregrinos na terra. Eram imbuídos do pensamento e Espírito de sacrifício. Haviam aprendido a suportar dureza e dificuldades e a olhar para Deus em cada problema.
Em cada
detalhe das suas vidas -- no negócio, no lazer, no serviço cristão, nos deveres
civis -- tomavam o Sermão da Montanha como lâmpada para os seus pés.
Consideravam o servir a Deus como o único motivo da vida e faziam todas as
demais coisas ocuparem um plano de segunda importância. Seus ministros e
presbíteros deveriam supervisionar o rebanho rara averiguar se todos estavam
realmente vivendo para a glória de Deus. Todos deveriam formar uma única
irmandade, auxiliando e encorajando-se mutuamente numa vida sossegada e
piedosa.
No
entanto havia algo mais que isso que emprestava à comunhão desses irmãos seu
poder tão maravilhoso. Era a intensidade da sua devoção e dedicação coletiva e
individual a Jesus Cristo, como Cordeiro de Deus que os comprara com o Seu
sangue.
Toda a
sua correção uns dos outros e a sua confissão voluntária do pecado com o
abandono do mesmo, vieram dessa fé no Cristo vivo, através do qual acharam na
seu coração a paz de Deus e a libertação do poder do pecado.
Essa
mesma fé os levava a aceitar, e a zelosamente guardar, sua posição de pobres
pecadores, salvos pela Sua graça, dia a dia. Essa fé, cultivada e fortalecida
diariamente pela comunhão na palavra, no cântico e na oração, transformou-se no
alvo das suas vidas. Essa fé os enchia com tanto gozo que seus corações
regozijavam no meio das maiores dificuldades, na certeza triunfante de que seu
Jesus, o Cordeiro que morrera por eles, e que agora estava amando-os,
salvando-os e guardando-os, minuto por minuto, poderia também conquistar o
coração mais endurecido e estava disposto a abençoar até mesmo o mais vir
pecador.
Em 1741
ocorreu algo que completou a organização da Igreja dos Irmãos e que selou a sua
característica central -- a devoção ao Senhor Jesus. Leonardo Dober havia sido
por alguns anos o principal presbítero da igreja. Ele e alguns outros sentiam
que seus dons peculiares o capacitavam mais para outro tipo de ministério.
No
entanto, à medida que os irmãos do sínodo olhavam em redor, sentiam que seria
difícil em extremo encontrar uma pessoa capaz de tomar o seu lugar. No mesmo
instante veio o pensamento a muitos que poderiam pedir ao Salvador para ser o
Presbítero Principal da sua pequenina igreja, e como resposta à oração,
receberam a confiança de que Ele aceitara o cargo.
Seu
único desejo era que Ele fizesse tudo que o presbítero principal fazia até
aquela data -- que Ele os tomasse como a Sua propriedade peculiar, que Ele Se
preocupasse com cada membro individualmente, e cuidasse de todas as suas
necessidades. Prometeram amá-Lo e honrá-Lo, dar-Lhe a confiança dos seus
corações, e como crianças, ser guiados pela Sua mente e vontade.
Era uma
nova e aberta confissão do lugar que sempre haviam desejado que Cristo
ocupasse, não só na sua teologia e vidas pessoais, mas especialmente na Sua
igreja. A igreja havia chegado agora a maioridade.
CONCLUSÃO
A história da igreja dos morávios foi contada como um exemplo. Nos primeiros vinte anos da sua existência ela realmente enviou maior número de missionários que toda a Igreja Protestante no mesmo período. Ela somente, entre todas as igrejas, procurou realmente viver a verdade: "que congregar a Cristo as almas pelas quais Ele morreu para salvar é o único objetivo pela qual a Igreja existe". Ela somente procurou ensinar e treinar cada um dos seus membros a considerar como seu primeiro dever para com Aquele que os amou: doar a sua vida para torná-Lo conhecido a outros.
Podemos
identificar quatro princípios básicos ensinados pelo Espírito Santo nesta época
da Sua grande operação:
1. Que
a igreja existe para estender o Reino de Deus em toda a terra.
2. Que
cada membro deve ser treinado e preparado para participar deste propósito
glorioso.
3. Que
a experiência íntima do amor de Cristo é o poder que capacita para este fim.
4. Que
a oração é o segredo, a fonte, de tudo isto.
A
“graça total” do nosso Senhor Jesus Cristo foi transmitida aos irmãos morávios
através de uma revelação do sangue do expirante Cordeiro de Deus. O resultado
foi o fogo do Espírito Santo, incendiando as suas vidas numa "dedicação
total" para a evangelização do mundo.
Oração
organizada, intensiva e perseverante trará hoje os mesmos resultados que trouxe
naquela época.
Que o
Espírito Santo, nestes dias de restauração em que estamos vivendo, faça-nos
arder de amor e paixão pelo Senhor Jesus, e transforme-nos numa igreja gloriosa
que O manifeste plenamente; e que assim os pecadores se convertam e se unam a
esta comunhão de amor de Deus Pai que temos no Seu Filho Jesus Cristo.
É permitido baixar este arquivo, copiar, imprimir e distribuir este
material, desde que explicite a autoria do mesmo.
Os
Irmãos Morávios
·
Com o advento da Reforma do Século 16, os herdeiros de Jan Hus,
os “irmãos unidos”, abraçaram o protestantismo. Nessa época, eles contavam com
cerca de 400 igrejas locais e 150 a 200 mil membros na Boêmia e na vizinha Morávia. Expulsos de sua pátria durante a Guerra dos Trinta Anos
(1618-1648), eles se espalharam por diversas regiões da Europa e perderam
muitos adeptos.
Guerra dos Trinta Anos
Um ano
especialmente amargo foi 1621, quando quinze irmãos foram decapitados no
chamado “dia de sangue”.
Muitos crentes foram mandados para as minas ou masmorras;
igrejas foram fechadas e escolas destruídas; Bíblias, hinários e catecismos
foram queimados.
Os poucos remanescentes continuaram a realizar as suas funções
religiosas em segredo e a orar pelo renascimento da sua igreja. Um importante líder desse período aflitivo foi o notável
educador Jan Amos Comenius (1592-1670), eleito bispo dos irmãos morávios em
1632. Noventa anos mais tarde, uma série de acontecimentos notáveis
daria novos rumos e renovada vitalidade ao movimento morávio.
Em
1722, sobreviventes dos irmãos unidos que falavam alemão, residentes no norte
da Morávia, começaram a buscar refúgio na vizinha Saxônia, sob a liderança de
um carpinteiro, Christian David.
jovem conde Nikolaus Ludwig von Zinzendorf (1700-1760) permitiu
que eles fundassem uma vila em sua propriedade de Berthelsdorf, cerca de 110 km
a leste de Dresden.
O
conde Zinzendorf era fruto do pietismo, um influente movimento que havia
surgido recentemente no luteranismo alemão.
Esse movimento teve como líderes Phillip Jacob Spener (1635-1705)
e August Hermann Francke (1663-1727). Seu principal centro de atividade era a cidade de Halle, também
na Saxônia, a terra de Martinho Lutero. Os pietistas davam grande ênfase à devoção, à experiência e aos
sentimentos, em contraste com a ortodoxia, credos e rituais. Também valorizavam a conversão pessoal, o sacerdócio universal
dos crentes, o estudo das Escrituras, os pequenos grupos para comunhão e
auxílio mútuo, bem como um cristianismo prático voltado para educação, missões
e beneficência.
Nascido em uma família aristocrática, Zinzendorf recebeu uma
educação pietista em Halle dos dez aos dezessete anos. Desde a infância revelou uma intensa devoção pessoal a Cristo e
mesmo depois de ingressar no serviço público, em 1721, continuou a ter como
interesse predominante o cultivo da “religião do coração”.
Liderança de Zinzendorf
Foi então que Zinzendorf entrou em contato com os morávios. De
início lhes deu pouca atenção, porém em 1727 começou a assumir a liderança
espiritual desse grupo. Superadas algumas divisões iniciais, no dia 13 de agosto de 1727
foi realizado um marcante culto de comunhão que veio a ser considerado o
renascimento da antiga Unitas Fratrum, a Igreja Morávia renovada. A partir de então, Herrnhut tornou-se uma disciplinada e
fervorosa comunidade cristã, um corpo de soldados de Cristo ansioso em promover
a sua causa no país e no exterior.
Embora Zinzendorf desejasse que os morávios permanecessem como
membros da igreja estatal da Saxônia (luterana), gradualmente eles formaram uma
igreja separada.
Em 1745
a Igreja Morávia já estava plenamente organizada com seus bispos, presbíteros e
diáconos, embora seu governo fosse, e ainda seja, mais presbiteriano que
episcopal.
A essa altura o moravianismo estava criando uma liturgia de
grande beleza e uma rica tradição hinológica.A Igreja Morávia restaurada permaneceu pequena, mas sua
influência se fez sentir em toda a Europa. Seus primeiros bispos foram David Nitschmann (1735) e o próprio
Zinzendorf (1737), que após uma vida de intensa atividade missionária e
pastoral na Europa e na América do Norte faleceu em Herrnhut em 1760.
Certa vez ele havia declarado, referindo-se a Cristo: “Eu tenho
uma paixão; é ele e ele somente”.
ESTATISTICAS MORAVIOS
Durante os próximos 150 anos enviaram 2170 missionários a
diferentes campos estrangeiros. O relatório de 1930 fala de 136 lugares
principais alcançados onde residiam 366 missionários. 2442 obreiros nacionais, ainda em 1930 feles contabilizaram 75
mil cristãos batizados e mais de 35 mil alunos em seus seminários. Enquanto em
média as igrejas protestantes enviavam 1 missionário em cada 2000 ou 3000 mil
membros, os morávios enviou 1 missionário em cada 92 membros.
Aplicação para a igreja
de hoje
Sem dúvida, sua influência missiológica acarretou em atividade
de missionários em diversos campos estrangeiros, sua força então, sempre em
preocupação com a vida dos irmãos, a educação religiosa e sua devoção são a
causa de uma igreja ativa, isso não só visto pelos morávios, mas também pelos
pietistas, pois, Zinzendorf com suas raízes pietistas, não deixou de assumir um
compromisso de disciplina, fervor na obra e na comunidade cristã, espalhando
assim sua causa no país e no exterior.
As igrejas de hoje, estão preocupadas com suas doutrinas, seus
interesses, seus templos, e o amor com missões, são mostrados através do envio
do dinheiro, quando se precisa de missionários no campo, pessoas comprometidas
com as vidas tanto no seu país quanto no exterior.
Sem dúvida, é muito bom não passarmos por perseguições como os
morávios passaram, mas essa perseguição gerou um sentimento de perseverança e
necessidade de proclamar o evangelho, Deus pode utilizar isso para acordar sua
igreja hoje.
Sessenta anos antes de Carey partir para a Índia e 150 anos antes de Hudson Taylor desembarcar na China, dois homens, Leonard Dober, um oleiro, e David Nitschmann, um carpinteiro, desembarcaram na ilha de São Tomé nas Antilhas, para tornar conhecido o evangelho de Jesus Cristo. Eles partiram em 1732 de uma pequena comunidade cristã nas montanhas da Saxônia, na Europa central, como os primeiros missionários dos Irmãos Morávios que nos 20 anos seguintes penetraram na Groenlândia (1733), nos territórios dos índios norte-americanos (1734), no Suriname (1735), na África do Sul (1736), entre os samoiedas do Ártico (1737), na Argélia e no Ceilão, atual Sri Lanka (1740), na China (1742), na Pérsia (1747), na Abissínia e no Labrador (1752).
Este foi apenas um começo. Nos primeiros 150 anos de seus esforços, a comunidade Moravia enviou nada menos do que 2.158 dos seus membros para o estrangeiro! Nas palavras de Stephen Neill: “Esta pequena igreja foi tomada de uma paixão missionária que jamais a abandonou”.A Unitas Fratum (Irmãos Unidos), como eram chamados, deixou um Testamento, e faríamos bem se examinássemos novamente as características principais deste movimento e aprendêssemos as lições que Deus tem para nós.
OBEDIÊNCIA ESPONTÂNEA
A obediência missionária dos Irmãos Morávios era essencialmente alegre e espontânea antes de tudo. “A reação de um organismo sadio à lei de sua vida”, para citar as palavras de Harry Bôer. A fonte de seu impulso inicial veio como resultado de um profundo movimento do Espírito de Deus que aconteceu entre um pequeno grupo de crentes exilados. Eles fugiram da perseguição por parte dos anti-Reformistas na Boêmia e Moravia, durante o século XVII, abrigando-se em uma propriedade de Berthesdorf, a convite de Nicolas Zinzendorf, um nobre evangélico luterano.
Sob os acordes do Salmo 84, em 1722 Christian David (que mais tarde viria a ser um missionário no estrangeiro) derrubou a primeira árvore no local onde os morávios iam edificar sua colônia,m a qual recebeu o nome de Herrnhut (“Atalaia do Senhor”). Cinco anos mais tarde, tão profundamente avançariam as novas ondas da graça e do amor de Deus entre os morávios que um deles escreveu: ‘O lugar todo parecia um verdadeiro tabernáculo de Deus entre os homens. “Não se via nem se ouvia nada além de gozo e alegria”.
Eram os preparativos divinos para tudo o que viria a seguir. Desafiados por um encontro com Anton, escravo africano da ilha de São Tomé, que fora à Dinamarca para a coroação do rei Cristiano VI, Dober e Nitschmann ofereceram-se como voluntários, tendo sido nomeados. Essa foi para eles uma expressão natural da vida e obediência cristãs.
O Dr. A.C. Thompson, um dos principais historiadores do início das missões Morávios e que viveu no século XIX, escreveu: “O dever de evangelizar os pagãos está tão profundamente alojado no pensamento atual que o fato de alguém entrar pessoalmente nessa obra não cria qualquer surpresa... Não é considerada como luma coisa que exija ampla proclamação, como se estivesse acontecendo algo prodigioso ou mesmo fora do comum”.
Que contraste com o trabalho árduo para despertar o interesse que caracteriza tanto o cenário do envio de missionários hoje! O Rev. Ignatius Latrobe, ex-secretário das missões Morávios no Reino Unido durante o século passado, escreveu: “Achamos que é um grande erro apresentar os missionários, depois de sua nomeação, à notoriedade e admiração públicas e elogiar bastante a sua devoção ao Senhor, apresentando-os às igrejas como mártires e perseguidos antes de eles partirem para o seu trabalho. Nós preferimos aconselha-los a partir silenciosamente, recomendando-os às fervorosas orações da igreja...” Nenhum aparato, nenhuma apresentação de heróis no púlpito, nenhuma publicidade, mas um desejo ardente e discreto de tornar Cristo conhecido onde quer que o Seu nome não tenha sido mencionado. Isto permeou a vida e liturgia da igreja Moravia, de modo que, por exemplo, uma grande porção de orações em público e dos hinos subseqüentes se ocuparam desse assunto.
Em segundo lugar, este zelo crescente tinha por motivação primeira um amor e uma paixão profundos e constantes por Cristo, algo que se expressou na vida do próprio Zinzendorf. Nascido em 1700 na nobreza da Áustria, ele esteve desde cedo sob influência familiar piedosa e logo aceitou Cristo como Salvador. Seu interesse missionário precoce ficou evidenciado quando no tempo de estudante fundou junto com um amigo o que ele chamava de “Ordem do Grão de Mostarda”, para a propagação do reino de Cristo no mundo.
Ele veio a ser não apenas o hospedeiro, mas também o primeiro líder dos crentes morávios e fez visitas pessoais ao exterior no interesse do evangelho. “Eu tenho luma paixão e esta paixão é Ele, apenas Ele” foi o acorde principal de sua vida, tendo soado através dos mais de 2.000 hinos que escreveu.
William Wilberforce, o grande reformador social evangélico inglês, escreveu o seguinte sobre os morávios: “Eles constituem um corpo que talvez tenha ultrapassado toda a humanidade em provas sólidas e inequívocas de amor a Cristo e em um zelo ardente e ativo no seu serviço. É um zelo temperado de prudência, suavizado pela mansidão e sustentado por uma coragem que nenhum perigo pode intimidar e por uma certeza tranqüila que nenhuma dificuldade pode exaurir”. Precisamos hoje de uma formulação teológica completa acerca de nossa motivação em missões e uma compreensão adequada do que cremos. Mas se não houver um amor apaixonado por Cristo no centro de tudo, só atravessaremos o mundo aos trancos e barrancos e apenas fazendo barulho durante a passagem.
CORAGEM DIANTE DO PERIGO
Como indicou Wilberforce, um aspecto adicional dos morávios foi que eles enfrentaram as mais incríveis dificuldades e perigos com notável coragem. Eles aceitavam as dificuldades como parte de sua identificação com o povo ao qual o Senhor os enviava. As palavras de Paulo: “Fiz-me tudo para com todos” (1 Cor. 9.22), eram pronunciadas de modo bem prático quase sem precedentes na história de missões.
A maioria dos missionários partia como “fabricantes de tendas”, trabalhando em sua profissão (a maioria deles era composta de artesãos e lavradores como Dober e Nitschmann), de modo que as principais despesas envolvidas eram as de enviá-los. Nas áreas onde o domínio dos brancos tinha criado a fachada da superioridade racial, como por exemplo, na Jamaica e na África do Sul, a maneira pela qual eles humildemente se submeteram ao trabalho braçal pesado era por si mesma um testemunho de sua fé. Por exemplo, um missionário chamado Monate ajudou a construir um moinho de milho no começo de sua obra na Província Oriental na África do Sul, cortando as duas pesadas pedras de arenito ele mesmo. Ao fazê-lo, não apenas deixou admirados os cafres entre os quais trabalhava, mas também aproveitou a oportunidade para “conversar” com eles sobre o evangelho enquanto trabalhava!
A ida a lugares tais como o Suriname e as Antilhas significavam enfrentar enfermidades e possível morte; os primeiros anos foram de inevitáveis baixas. Na Guiana, por exemplo, 75 dos 160 primeiros missionários morreram de febres tropicais, envenenamento e coisas parecidas. Homens como Andrew Rittmansberber morreu seis meses depois de pisar a ilha. As palavras da estrofe de um hino escrito por um dos primeiros missionários na Groenlândia expressam algo da fibra de sua atitude: “Vamos, através do gelo lê da neve, uma pobre alma perdida para Cristo ganhar. Alegres, enfrentamos a necessidade e a aflição para o Cordeiro que foi morto apresentar”.
Os morávios resolutamente dominaram novas línguas sem muitos dos recursos modernos e vários deles se tornaram notavelmente influentes e capazes nesses idiomas. Esse era o material de que esses homens eram feitos. É possível que tenhamos de enfrentar hoje um padrão diferente de exigências, mas a necessidade de uma medida semelhante de coragem concedida por Deus permanece a mesma. Será que a nossa sociedade acomodada e próspera está produzindo homens e mulheres mais frágeis?
TENACIDADE DE PROPÓSITO
Notamos em último lugar que muitos missionários morávios demonstraram uma tenacidade de propósito de categoria superior, embora se deva imediatamente acrescentar que em certas ocasiões houve um afastamento precipitado demais diante de uma situação particularmente problemática (como por exemplo o trabalho inicial entre os aborígines na Austrália em 1854, que foi subitamente abandonado por causa de conflitos locais provocados por uma corrida ao ouro).
Um dos mais famosos missionários morávios, conhecido como “o Eliot do Ocidente”, foi David Zeisberger. Desde 1735, ele trabalhou 62 anos entre as tribos huron e outras. Numa determinada ocasião, depois de ter pregado sobre Isaias 64.8, numa manhã de domingo em agosto de 1781, a igreja e suas dependências foram invadidas por bandos de salteadores indígenas e nos incêndios que se seguiram, Zeisberger perdeu todos os seus manuscritos das traduções das Escrituras, hinos e anotações extensas sobre as línguas dos índios. Mas, tal como Carey, que iria passar por uma perda semelhante na Índia anos mais tarde, Zeisberger abaixou a cabeça em mansa submissão diante da providência soberana de Deus e reiniciou seu trabalho.
Será que temos falta de perseverança missionária hoje? Vamos reconhecer o valor do trabalho dos missionários temporários e ver em muitos deles o propósito divino. Onde se acham porém aqueles que estão prontos a “se afundarem” no exterior por causa de Deus? Vamos considerar de frente os problemas tais como a educação dos filhos e a mudança de estratégia missionária sob a direção do Senhor; mas para os homens serem ganhos, os crentes bem alimentados espiritualmente, e as igrejas encorajadas na plenitude da vida em Cristo, uma grande parte do “poder missionário permanente” do tipo certo será necessário em alguns lugares.
Estes morávios tiveram naturalmente suas fraquezas. Eles se concentraram mais na evangelização do que na verdadeira implantação de igrejas locais e foram, consequentemente, muito fracos no desenvolvimento da liderança cristã. Eles centralizaram seu método no “posto missionário”, dando-lhes até toda uma porção de nomes de lugares bíblicos, tais como Silo, Serepta, Nazaré, Belém, etc. Desde que os primeiros missionários saíram diretamente da “bancada do carpinteiro” por causa da natureza espontânea de sua obediência, eles careciam de preparação adequada. De fato, foi só em 1869 que a primeira faculdade para treinamento de missionários foi fundada em Nisky, a 30 quilômetros de Herrnhut.
Apesar de tudo isto, as palavras de J. R. Winlick apresentam a lição profunda que temos de aprender hoje dos morávios: “A igreja Moravia foi a primeira entre as igrejas protestantes a tratar esta obra como uma responsabilidade de igreja como um todo, em luar de deixa-la para as agências missionárias ou pessoas especialmente interessadas. Eles eram na verdade um grupo pequeno, compacto e unido.” Seria possível dizer então que uma estrutura missionária simples como a possuída por eles era natural. Entretanto duvidamos que esta possa ser uma desculpa para o baixo nível de interesse missionário que se manifesta em muitos setores da igreja atualmente, ou para o complexo e geralmente competidor sistema das sociedades missionárias com o qual lutamos hoje. Temos ouvidos para ouvir e vontade para obedecer.
(Colin A. Grant foi missionário no Sri Lanka durante doze anos, tendo sido enviado pela Sociedade Missionária Batista Britânica. Ocupou o cargo de presidente da Aliança Missionária Evangélica e secretário-geral na Inglaterra da União Evangélica Sul Americana. Faleceu em 1976. Reimpresso com permissão de Evangelical Missions Quartely (“Revista Trimestral sobre Missões Evangélicas”), outubro de l976, volume 12, n 4 Publicada pelo Serviço Informativo de Missões Evangélicas, Box 794, Wheaton, Illinois 6018, Estados Unidos).
(NOTAS FONTE Valmir Barbosa o9)
UMA IGREJA MISSIONÁRIA
PIONEIRA
Sessenta anos antes de Carey partir para a Índia e 150 anos antes de Hudson Taylor desembarcar na China, dois homens, Leonard Dober, um oleiro, e David Nitschmann, um carpinteiro, desembarcaram na ilha de São Tomé nas Antilhas, para tornar conhecido o evangelho de Jesus Cristo. Eles partiram em 1732 de uma pequena comunidade cristã nas montanhas da Saxônia, na Europa central, como os primeiros missionários dos Irmãos Morávios que nos 20 anos seguintes penetraram na Groenlândia (1733), nos territórios dos índios norte-americanos (1734), no Suriname (1735), na África do Sul (1736), entre os samoiedas do Ártico (1737), na Argélia e no Ceilão, atual Sri Lanka (1740), na China (1742), na Pérsia (1747), na Abissínia e no Labrador (1752).
Este foi apenas um começo. Nos primeiros 150 anos de seus esforços, a comunidade Moravia enviou nada menos do que 2.158 dos seus membros para o estrangeiro! Nas palavras de Stephen Neill: “Esta pequena igreja foi tomada de uma paixão missionária que jamais a abandonou”.A Unitas Fratum (Irmãos Unidos), como eram chamados, deixou um Testamento, e faríamos bem se examinássemos novamente as características principais deste movimento e aprendêssemos as lições que Deus tem para nós.
OBEDIÊNCIA ESPONTÂNEA
A obediência missionária dos Irmãos Morávios era essencialmente alegre e espontânea antes de tudo. “A reação de um organismo sadio à lei de sua vida”, para citar as palavras de Harry Bôer. A fonte de seu impulso inicial veio como resultado de um profundo movimento do Espírito de Deus que aconteceu entre um pequeno grupo de crentes exilados. Eles fugiram da perseguição por parte dos anti-Reformistas na Boêmia e Moravia, durante o século XVII, abrigando-se em uma propriedade de Berthesdorf, a convite de Nicolas Zinzendorf, um nobre evangélico luterano.
Sob os acordes do Salmo 84, em 1722 Christian David (que mais tarde viria a ser um missionário no estrangeiro) derrubou a primeira árvore no local onde os morávios iam edificar sua colônia,m a qual recebeu o nome de Herrnhut (“Atalaia do Senhor”). Cinco anos mais tarde, tão profundamente avançariam as novas ondas da graça e do amor de Deus entre os morávios que um deles escreveu: ‘O lugar todo parecia um verdadeiro tabernáculo de Deus entre os homens. “Não se via nem se ouvia nada além de gozo e alegria”.
Eram os preparativos divinos para tudo o que viria a seguir. Desafiados por um encontro com Anton, escravo africano da ilha de São Tomé, que fora à Dinamarca para a coroação do rei Cristiano VI, Dober e Nitschmann ofereceram-se como voluntários, tendo sido nomeados. Essa foi para eles uma expressão natural da vida e obediência cristãs.
O Dr. A.C. Thompson, um dos principais historiadores do início das missões Morávios e que viveu no século XIX, escreveu: “O dever de evangelizar os pagãos está tão profundamente alojado no pensamento atual que o fato de alguém entrar pessoalmente nessa obra não cria qualquer surpresa... Não é considerada como luma coisa que exija ampla proclamação, como se estivesse acontecendo algo prodigioso ou mesmo fora do comum”.
Que contraste com o trabalho árduo para despertar o interesse que caracteriza tanto o cenário do envio de missionários hoje! O Rev. Ignatius Latrobe, ex-secretário das missões Morávios no Reino Unido durante o século passado, escreveu: “Achamos que é um grande erro apresentar os missionários, depois de sua nomeação, à notoriedade e admiração públicas e elogiar bastante a sua devoção ao Senhor, apresentando-os às igrejas como mártires e perseguidos antes de eles partirem para o seu trabalho. Nós preferimos aconselha-los a partir silenciosamente, recomendando-os às fervorosas orações da igreja...” Nenhum aparato, nenhuma apresentação de heróis no púlpito, nenhuma publicidade, mas um desejo ardente e discreto de tornar Cristo conhecido onde quer que o Seu nome não tenha sido mencionado. Isto permeou a vida e liturgia da igreja Moravia, de modo que, por exemplo, uma grande porção de orações em público e dos hinos subseqüentes se ocuparam desse assunto.
Em segundo lugar, este zelo crescente tinha por motivação primeira um amor e uma paixão profundos e constantes por Cristo, algo que se expressou na vida do próprio Zinzendorf. Nascido em 1700 na nobreza da Áustria, ele esteve desde cedo sob influência familiar piedosa e logo aceitou Cristo como Salvador. Seu interesse missionário precoce ficou evidenciado quando no tempo de estudante fundou junto com um amigo o que ele chamava de “Ordem do Grão de Mostarda”, para a propagação do reino de Cristo no mundo.
Ele veio a ser não apenas o hospedeiro, mas também o primeiro líder dos crentes morávios e fez visitas pessoais ao exterior no interesse do evangelho. “Eu tenho luma paixão e esta paixão é Ele, apenas Ele” foi o acorde principal de sua vida, tendo soado através dos mais de 2.000 hinos que escreveu.
William Wilberforce, o grande reformador social evangélico inglês, escreveu o seguinte sobre os morávios: “Eles constituem um corpo que talvez tenha ultrapassado toda a humanidade em provas sólidas e inequívocas de amor a Cristo e em um zelo ardente e ativo no seu serviço. É um zelo temperado de prudência, suavizado pela mansidão e sustentado por uma coragem que nenhum perigo pode intimidar e por uma certeza tranqüila que nenhuma dificuldade pode exaurir”. Precisamos hoje de uma formulação teológica completa acerca de nossa motivação em missões e uma compreensão adequada do que cremos. Mas se não houver um amor apaixonado por Cristo no centro de tudo, só atravessaremos o mundo aos trancos e barrancos e apenas fazendo barulho durante a passagem.
CORAGEM DIANTE DO PERIGO
Como indicou Wilberforce, um aspecto adicional dos morávios foi que eles enfrentaram as mais incríveis dificuldades e perigos com notável coragem. Eles aceitavam as dificuldades como parte de sua identificação com o povo ao qual o Senhor os enviava. As palavras de Paulo: “Fiz-me tudo para com todos” (1 Cor. 9.22), eram pronunciadas de modo bem prático quase sem precedentes na história de missões.
A maioria dos missionários partia como “fabricantes de tendas”, trabalhando em sua profissão (a maioria deles era composta de artesãos e lavradores como Dober e Nitschmann), de modo que as principais despesas envolvidas eram as de enviá-los. Nas áreas onde o domínio dos brancos tinha criado a fachada da superioridade racial, como por exemplo, na Jamaica e na África do Sul, a maneira pela qual eles humildemente se submeteram ao trabalho braçal pesado era por si mesma um testemunho de sua fé. Por exemplo, um missionário chamado Monate ajudou a construir um moinho de milho no começo de sua obra na Província Oriental na África do Sul, cortando as duas pesadas pedras de arenito ele mesmo. Ao fazê-lo, não apenas deixou admirados os cafres entre os quais trabalhava, mas também aproveitou a oportunidade para “conversar” com eles sobre o evangelho enquanto trabalhava!
A ida a lugares tais como o Suriname e as Antilhas significavam enfrentar enfermidades e possível morte; os primeiros anos foram de inevitáveis baixas. Na Guiana, por exemplo, 75 dos 160 primeiros missionários morreram de febres tropicais, envenenamento e coisas parecidas. Homens como Andrew Rittmansberber morreu seis meses depois de pisar a ilha. As palavras da estrofe de um hino escrito por um dos primeiros missionários na Groenlândia expressam algo da fibra de sua atitude: “Vamos, através do gelo lê da neve, uma pobre alma perdida para Cristo ganhar. Alegres, enfrentamos a necessidade e a aflição para o Cordeiro que foi morto apresentar”.
Os morávios resolutamente dominaram novas línguas sem muitos dos recursos modernos e vários deles se tornaram notavelmente influentes e capazes nesses idiomas. Esse era o material de que esses homens eram feitos. É possível que tenhamos de enfrentar hoje um padrão diferente de exigências, mas a necessidade de uma medida semelhante de coragem concedida por Deus permanece a mesma. Será que a nossa sociedade acomodada e próspera está produzindo homens e mulheres mais frágeis?
TENACIDADE DE PROPÓSITO
Notamos em último lugar que muitos missionários morávios demonstraram uma tenacidade de propósito de categoria superior, embora se deva imediatamente acrescentar que em certas ocasiões houve um afastamento precipitado demais diante de uma situação particularmente problemática (como por exemplo o trabalho inicial entre os aborígines na Austrália em 1854, que foi subitamente abandonado por causa de conflitos locais provocados por uma corrida ao ouro).
Um dos mais famosos missionários morávios, conhecido como “o Eliot do Ocidente”, foi David Zeisberger. Desde 1735, ele trabalhou 62 anos entre as tribos huron e outras. Numa determinada ocasião, depois de ter pregado sobre Isaias 64.8, numa manhã de domingo em agosto de 1781, a igreja e suas dependências foram invadidas por bandos de salteadores indígenas e nos incêndios que se seguiram, Zeisberger perdeu todos os seus manuscritos das traduções das Escrituras, hinos e anotações extensas sobre as línguas dos índios. Mas, tal como Carey, que iria passar por uma perda semelhante na Índia anos mais tarde, Zeisberger abaixou a cabeça em mansa submissão diante da providência soberana de Deus e reiniciou seu trabalho.
Será que temos falta de perseverança missionária hoje? Vamos reconhecer o valor do trabalho dos missionários temporários e ver em muitos deles o propósito divino. Onde se acham porém aqueles que estão prontos a “se afundarem” no exterior por causa de Deus? Vamos considerar de frente os problemas tais como a educação dos filhos e a mudança de estratégia missionária sob a direção do Senhor; mas para os homens serem ganhos, os crentes bem alimentados espiritualmente, e as igrejas encorajadas na plenitude da vida em Cristo, uma grande parte do “poder missionário permanente” do tipo certo será necessário em alguns lugares.
Estes morávios tiveram naturalmente suas fraquezas. Eles se concentraram mais na evangelização do que na verdadeira implantação de igrejas locais e foram, consequentemente, muito fracos no desenvolvimento da liderança cristã. Eles centralizaram seu método no “posto missionário”, dando-lhes até toda uma porção de nomes de lugares bíblicos, tais como Silo, Serepta, Nazaré, Belém, etc. Desde que os primeiros missionários saíram diretamente da “bancada do carpinteiro” por causa da natureza espontânea de sua obediência, eles careciam de preparação adequada. De fato, foi só em 1869 que a primeira faculdade para treinamento de missionários foi fundada em Nisky, a 30 quilômetros de Herrnhut.
Apesar de tudo isto, as palavras de J. R. Winlick apresentam a lição profunda que temos de aprender hoje dos morávios: “A igreja Moravia foi a primeira entre as igrejas protestantes a tratar esta obra como uma responsabilidade de igreja como um todo, em luar de deixa-la para as agências missionárias ou pessoas especialmente interessadas. Eles eram na verdade um grupo pequeno, compacto e unido.” Seria possível dizer então que uma estrutura missionária simples como a possuída por eles era natural. Entretanto duvidamos que esta possa ser uma desculpa para o baixo nível de interesse missionário que se manifesta em muitos setores da igreja atualmente, ou para o complexo e geralmente competidor sistema das sociedades missionárias com o qual lutamos hoje. Temos ouvidos para ouvir e vontade para obedecer.
(Colin A. Grant foi missionário no Sri Lanka durante doze anos, tendo sido enviado pela Sociedade Missionária Batista Britânica. Ocupou o cargo de presidente da Aliança Missionária Evangélica e secretário-geral na Inglaterra da União Evangélica Sul Americana. Faleceu em 1976. Reimpresso com permissão de Evangelical Missions Quartely (“Revista Trimestral sobre Missões Evangélicas”), outubro de l976, volume 12, n 4 Publicada pelo Serviço Informativo de Missões Evangélicas, Box 794, Wheaton, Illinois 6018, Estados Unidos).
(NOTAS FONTE Valmir Barbosa o9)
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